Outeiro Alto
Assim se chamava o meu Parque de Campismo favorito. Não sei
precisar há quantos anos o conheço mas seguramente há mais de 10… talvez 12 ou
13! Rendi-me ao seu encanto na primeira vez que lá estive. Era um parque
diferente dos outros: não davam pendericalhos para por na tenda, não havia
cartões de entrada, não havia qualquer tipo de chapola de marcação de gado.
Tinha classificação de parque rural, o que na prática significa que tem o
mínimo de comodidades, entenda-se, casa de banho e pouco mais. Mas este pouco
mais é que fazia a diferença. A diferença entre acampar neste parque e fazer
campismo selvagem limitava-se à vedação. Aquilo era praticamente selvagem. As
pessoas que o procuravam, partilhavam todas o mesmo espírito e, mesmo de manhã
bem cedo, havia gente com um sorriso na cara a dizer “Bom dia”, ainda cheios de
remelas nos olhos (ao contrário do comum dos parques onde o mais provável é
encontrar-se um velhote a desfazer a barba às seis da manhã para se preparar
para tosquiar as sebes à volta da roulotte enquanto a mulher se agarra ao
crochê para ver se completa mais um napperon ainda este verão). Mas de tudo, o
melhor que este parque tinha, era a zona dos churrascos. Era, sem sombra de
dúvidas, a melhor churrasqueira de qualquer parque onde já fiquei. Para quem
nunca teve o privilégio de lá ir, aqui vai uma breve descrição: tinha um
alpendre (onde o povo pendurava aqueles rolos de colar moscas) com uma mesa de
madeira e bancos corridos; do lado da parede havia um armário (arriscava
chamar-lhe aparador mas não sei se o termo é adequado) que mais parecia uma
banca de carpinteiro; por cima, havia uma espécie de louceiro, ou seja, umas prateleiras
que eram usadas como despensa da comunidade; à volta da mesa, em L, havia um
muro onde se faziam as churrascadas. Este era o sítio onde toda a gente fazia
as refeições. Cheguei a jantar lá com gente de todo o lado: Porto e arredores,
Braga, Alentejo, Trás-os-Montes, Espanha, França, Itália e até mesmo com gente
de Lisboa. Toda a gente partilhava comida e se algum ingrediente faltasse
bastava olhar para a despensa comunitária (e para o prazo de validade também!).
Com o passar dos anos, a única mudança à qual assisti no parque, foi a
rotatividade de quem o explorava. As infraestruturas ficavam cada vez mais
debilitadas e a manutenção era mínima. Chegamos a pensar levar um balde de
tinta e pintar as casas de banho da noite para o dia, só para dar um ar mais
arranjado àquilo. Mas quando lá chegamos este ano ficamos em choque. Mais uma
vez os responsáveis do parque tinham mudado. E com eles veio uma nova era deste
parque, a começar pelo nome: Gerês Green Park. Casas de banho pintadas, edifício
principal pintado, mesas novas, bar completamente novo, portão novo, luzes no
parque e, claro, preços novos. À primeira vista a mudança é para melhor. Mas a
verdade é que mataram o parque. O espírito que outrora se vivia no parque
jamais voltará. O Sr. Paulo, atual responsável pelo parque, está eufórico com o
seu novo projeto, cheio de expectativa bastante entusiasmado. Mas, a meu ver,
cometeu alguns erros que vão completamente contra o ideal deste sítio. Nos
lugares das tendas foram colocadas umas tábuas com a identificação de cada
lugar. Não me chocava se fossem tábuas simples com os números queimados na
tábua (até dá um aspeto rústico). Mas nesses pauzitos foram aparafusadas umas
placas em plástico com os números escritos a verde bisga radioativa (a condizer
com o nome do parque). Agora, toda a gente tem que andar com uma pulseira (como
nos festivais) e uma chapola no carro para, e passo a citar, “se se perderem
toda a gente sabe que vocês estão aqui no parque”. As casas de banho estão
todas fashion e os chuveiros têm torneiras novas daquelas que tem que se estar
sempre a carregar para sair a água tépida (sim!, sim!, não é possível regular a
temperatura), mas as fossas continuam entupidas! A pequena mercearia que lá
existia também já não existe. A esposa do Sr. Paulo, com todo o respeito, é uma
senhora mal encarada que não tem perfil para este tipo de vida. Nem tampouco
sabe que o talho ainda é uma carrinha que vem uma vez por semana a Cabril e que
o talho mais próximo fica a 40 km do parque, ou seja, o povo tem que conseguir
preservar os alimentos em frigoríficos como sempre se fez lá. Mas pior de tudo,
talvez por capricho desta senhora, a zona dos churrascos morreu. O mobiliário
desapareceu todo e apenas se mantêm os muros e o alpendre que, no futuro, irão
dar um ótimo espaço para pôr poufs e beber umas caipirinhas. Então e os
churrascos? “Façam ali em baixo no sítio onde supostamente passa o riacho”. À
noite, já nem as corujas se ouvem. A luz é tanta que encadeia tudo e todos (a
senhora deve ter medo do escuro). Mas as inovações ainda não acabaram: está
prevista a construção de bungalows (todos tunning) para que o parque possa
abrir no inverno. Afinal, isto não era suposto ser um parque rural? Não era
suposto ser um sítio onde o contacto com a natureza fosse máximo? Não era
suposto ser um sítio onde a única coisa que o distingue do campismo selvagem é
a rede à volta? Com estas inovações este parque está condenado a ser mais um
retiro de snobs. Hei de lá ir no inverno para contar quantos lá estão (ah, claro!
Sem contar com o fim de semana radical que o João Garcia vai lá passar a dar
aulas de alta montanha a bombeiros; até agora o parque era demasiado selvagem
para o receber!)…
0 Comentários:
Enviar um comentário
Subscrever Enviar feedback [Atom]
<< Página inicial