quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Aldeia Preservada

Quando, numa viagem por estradas municipais ou nacionais com numeração superior a 500, nos deparamos com uma placa a dizer “aldeia preservada”, automaticamente somos forçados, pelo nosso subconsciente, a coscuvilhar o lugarejo, confiantes de que será um daqueles sítios idílicos, com as casas em pedra todas iguais, bem cuidadas, sem alumínios nem PVC’s, inseridas numa paisagem deslumbrante e com galinhas à solta na rua a esgravatar a bosta ainda fresca de um punhado de vacas com cornos de metro e meio. Quem anda por estas estradas, anda sempre com este espírito, a não ser que seja um domingueiro com a mania que é aventureiro e decide levar o BMW para uma daquelas estradas estreitas, sem pinturas no chão e cheias de crateras (o resto da família domingueira passa a viagem a rosnar e com as unhas bem afincadas ao cinto de segurança e à pega que está no teto, tentando aguentar o vómito enquanto o Jarbas galga a estrada a uns estonteantes 23 km/h). Provavelmente, algum secretário de estado do já extinto Ministério do Turismo (obra do nosso queridíssimo e prestigiado ex-primeiro ministro Santana Lopes), se lembrou de identificar meia dúzia de aldeias e para que os seus conterrâneos as pudessem visitar sem correrem o risco de se perderem por essa imundice fora (entenda-se tudo o que está fora dos limites de Lisboa). Ora que grande ideia. Toca a dar dinheiro a alguém para fazer umas placas a dizer “aldeia preservada” (a empresa escolhida foi a AMAN – Indústria de Publicidade Lda. que, por incrível que pareça, não se consegue encontrar em lado nenhum. Porque será?). Definido o importante, isto é, a quem dar dinheiro para fazer placas, falta apenas o mais fácil: definir uma regra de classificação de aldeias. Das duas uma, ou foi aleatório, ou simplesmente por mau gosto. Ontem entrei, por curiosidade, em algumas aldeias consideradas “aldeias preservadas” e também me vieram os vómitos à boca. Não de cabrito como a Maria Rosa Domingueira, mas apenas de uma sande de fiambre. Não pelo mesmo motivo da Maria Rosa Domingueira, mas sim pelo que se vê numa aldeia preservada. Preservam-se as casas dos avec’s, pintadas com tintas em promoção nuns lindos tons de rosa choque ou verde bisga radioativo, com janelas em PVC ou alumínio castanho, corrimãos de alumínio prateados com pinhas douradas nas pontas, andorinhas pretas coladas junto à porta principal, correntes nas caleiras para guiar a água dos telhados bem inclinados já preparados para a próxima era glaciar, frases forjadas a ferro e cravadas na parede mais vistosa com dizeres como “O nosso ninho”, portões com espigões dourados e iniciais do pai de família cravadas na chapa e ladeados por duas torres de betão encimadas por dragões ou águias, pinos de parqueamento privado em frente ao portão para evitar estacionamentos indevidos de gente que vai ao shopping ou à bola, nossas senhoras em aquários num lindo jardim relvado com sapos de porcelana, poços sem água, laguinhos com patos falsos, chafarizes com a estátua do menino a mijar, moinhos de vento em miniatura e rebanhos de ovelhas de cimento bastante asseadas (sem deixarem rasto de conguitos). Há que preservar o nosso Portugal. O gajo que inventou esta classificação, já que não foi capaz de definir um critério de classificação em condições e uma legislação apertada para quem constrói, podia enfiar uma Torre Eiffel no cú com espigões dourados na ponta e pôr uma placa à entrada a dizer “hemorroides preservadas”.

0 Comentários:

Enviar um comentário

Subscrever Enviar feedback [Atom]

<< Página inicial