O Aprendiz

No tempo em que Portugal era uma colónia abastada da Europa (entenda-se, há cerca de 20 anos), a taxa de desemprego era substancialmente inferior à dos dias de hoje. Não havia cursos da treta, workshops de merda e formações do nada. Mas agora, com a taxa de desemprego a bater recordes diariamente, o Centro de Desemprego ilude o povo com cursos que não interessam para nada. O iluminado Sócrates decidiu começar com as novas oportunidades e, de facto, o país até melhorou… pena que tenha sido apenas na estatística. Há 20 anos, as pessoas eram mais sérias e só existiam algumas individualidades que se dedicavam ao roubo a tempo inteiro. Toda a gente os conhecia. O Terinho, o Beto-Mãozinhas, o Rato, etc. E apesar de serem os vilões da época, até podiam ser considerados gente pois roubavam com algum nível. Porém, nos dias que hoje correm, o Governo incentiva (entenda-se, obriga) a que a malta desempregada valorize o seu currículo apostando em formações. A mais recente formação homologada pelo IEFP é o Curso Prático de Ladroage com especializações em: Roubo por Esticão, Assalto à Mão Armada, Carteirista, Carro do Jaquim, Assaltos ao Domicílio e, o mais cobiçado, Gestor de Arrastões. Todas estas variantes têm uma forte componente prática onde o formando aprende a roubar de duas maneiras: a torto e a direito. No final da formação, supostamente, o formando deverá ser capaz de identificar o alvo a atacar, delinear uma estratégia de roubo, definir o plano de fuga e fazer um estudo de mercado para escoamento do produto furtado. Os larápios de outrora são agora os formadores, quer da aula teórica inicial, quer das aulas práticas que decorrem in situ. Ontem à noite, fui vítima de uma destas aulas práticas, provavelmente a primeira, em que o aprendiz de ladrão ainda não havia definido bem a estratégia de roubo. Para aqueles que conhecem o meu carro certamente não acreditam neste relato, mas a verdade é que ontem à noite, após uma animada jantarada, chego ao carro e verifico que alguém andou lá a mexer. Pensei logo que me tinham roubado o rádio, os cabos de bateria, o transformador de corrente para 220v, a bolsa de primeiros socorros e a mochila cheia de roupa suja. Mas não. O Aprendiz de Gatuno ou não sabia ao que ia, ou ficou boquiaberto com o meu chiante. Em vez de pôr mão a uma destas coisas, resolveu roubar-me o manómetro da temperatura e a chave do depósito da gasolina. Apesar de cómico, obviamente fiquei possesso. Sem qualquer hipótese de identificar o autor do vandalismo, vim embora revoltado e com 5 fios escarnados a roçar a manete das velocidades. Vim devagar, não fosse a gota acabar! Decidi então que vou colocar um alarme no carro. Mas ao contrário dessas grafonolas que praí se vêm às quais ninguém liga nenhuma, eu vou instalar um sensor que, quando ativado, dispara taser’s para todos os lados, descarregando a energia acumulada em alguns condensadores das televisões antigas, que vão decerto abananar o larápio enquanto lhe é doseada uma mistura de gás pimenta e gás mostarda. Entretanto isto dá-me tempo para chegar ao atordoado comichoso, ir à mala do carro buscar o martelo e o formão para por em prática o meu curso de manicura que o IEFP me obrigou a tirar nos meus tempos livres de desemprego, e cortar-lhe as unhas pelo sabugo. Da próxima vez que este urso quiser roubar, vai ter que o fazer com os toquinhos…